sexta-feira, 31 de maio de 2019

AMIZADE E IRMANDADE




Nesta semana perdi um querido amigo diante dos seus 51 anos de vida, literalmente na chamada “flor da idade”, para o câncer de intestino e estômago. Apesar de no meu subconsciente essa possibilidade nunca pôde ser descartada, pois tratava-se de uma enfermidade muito agressiva, em um lugar naturalmente de pouca expectativa de cura, e considerando o remédio indicado, a quimioterapia, que é igualmente invasivo e avassalador, a minha zona de consciência era povoada por um pensamento de que era preciso ter esperança de que o quadro pudesse ser revertido. Acredito que só a força do amor a vida que ele sempre demonstrou e a forte crença no milagre da cura dos seus parentes e amigos é que teimava em não encarar o quadro que se apresentava tão dramático.

Voltando um pouco no tempo, lembro de como se deu o nosso encontro. Na verdade, eu trabalhei durante quase quatro anos na mesma instituição com um irmão de sangue dele, e não fazia ideia desse pretenso parentesco. Nessa época minhas filhas eram pequenas e eu ia buscá-las no colégio todos os dias, coisa que ele também fazia diariamente para também buscar as suas duas herdeiras, e repetidas vezes o vi na frente do referido colégio e não podia deixar de notar sua enorme semelhança física com o meu amigo de trabalho, e isso me deixava intrigado. Enfim o tempo foi passando e um belo dia minha esposa me informou que a minha filha mais nova tinha um aniversário de uma colega de turma em uma lanchonete. Quando chegamos para buscá-la notei que a colega era justamente a filha daquele que eu sempre via e achava parecido com o meu companheiro de “trampo”, que não por acaso estava por lá também, o que levou-me a pensar que de fato se tratava de dois irmãos de sangue, o que pude comprovar naquele mesmo dia.

Como colegas de turma nossas filhas foram se aproximando e não demorou muito para que fossemos formalmente apresentados e a partir daí florescesse uma amizade muito intensa, para ser bem sincero, acredito que foi um verdadeiro encontro de almas afins, algo muito raro de acontecer, pelo menos nos meus 55 anos de existência não consigo reportar ter vivido mais de dois outros casos semelhantes, porém com toda a certeza em nenhum deles o sentimento de irmandade alcançou tamanha relevância, tão característica da presente experiência aqui descrita. A diferença sanguínea, de pensamento e de personalidades bem distintos, jamais foi um empecilho para o estreitamento da relação, que desde o início foi pautado pelo respeito e pelo apreço de um pelo outro. Durante mais de 10 anos essa amizade foi se fortalecendo, contando sempre com muito companheirismo e uma convivência muito prazerosa, fazendo com que o laço que nos unia se tornasse ainda mais forte.

Em pouco mais de um ano e meio, aquilo que começou com uma suspeita de ser um problema de refluxo, que o fez perder mais de 20 quilos e que chegou ao diagnóstico fatídico de câncer no intestino e estômago. Fez de seus últimos 45 dias de vida, período em que esteve internado em um hospital, um verdadeiro inferno austral, pois passou boa parte do tempo sedado, sem conseguir se alimentar, literalmente mantido vivo por suprimentos alimentares e soro, em função das intensas dores a que era acometido. O que ocasionou ainda mais perda de peso corporal, levando a sua morte no último dia 27/05/2019.  

Se nós seres humanos, conseguíssemos nos desnudar de nosso extremo egoísmo, conseguiríamos minimamente ser confortados com a certeza de que seu sofrimento atroz enfim acabou, e não estaríamos tão abalados e consternados com sua partida tão prematura, afinal não poderemos mais gozar de sua presença entre nós.  Espero sinceramente que um dia “oxalá” consigamos atingir esse estágio de evolução.

Só me resta desejar ao meu querido amigo e irmão, onde quer que esteja, muita paz e conforto no seu coração reconhecidamente tão grande, onde havia lugar para todos os que viessem ao seu encontro. Vá em paz amigo.

Rodolfo S Cerveira

Um comentário:

  1. Tio querido, me doeu muito saber da sua perda.. Naquele dia eu só consegui pensar em você, mas não soube expressar em palavras o que sinto, pois na verdade não consigo ainda mensurar a dor de quem perde um amigo. Mas lendo o seu post hoje, te digo: você não perdeu! Poucas pessoas têm a sorte de um encontro como esse, tão sincero e verdadeiro. Tenho certeza que essa amizade transformou a sua vida e a dele também e que o que um levou do outro os ajudará a se reconhecerem e se reencontrarem um dia!Eu não tenho dúvidas disso. Te amo muito. Beijos, Tati

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