A dinâmica da vida muitas
vezes nos prega algumas peças que nos deixam desconcertados. No último dia
06/07/2017 este mundo ficou bem mais triste, pois perdemos um ser iluminado, repleto
de bons fluídos, que mesmo sem ter a devida noção da grandeza do objetivo que
deu a sua própria vida, já que pouco estudo tinha, mas que aprendeu com a vida
a desenvolver a sua capacidade de doação, junto com seu dom e carisma únicos, características
essas que faziam dela um SER HUMANO muito especial, que sabia amar ao próximo
como poucos. Que mesmo tendo tido uma vida muito dura, cheia de sofrimento,
conseguiu superar as adversidades e ainda arranjou tempo, ou melhor, resolveu
doar seu tempo de forma integral para ajudar outras pessoas. Hoje (07/07/2017)
será o sepultamento daquela que em vida se chamou Maria do Socorro Pereira,
mais conhecida pela carinhosa alcunha de TIA SOCORRO, a idealizadora e
rigorosamente a alma do abrigo que fora batizado com o nome Associação Lar Acolhedor Tia Socorro,
localizado na Ilha de Mosqueiro, Distrito de Belém do Pará. Abrigo este que tinha
a missão precípua de receber crianças e adolescentes que haviam sofrido
violência dentro de suas casas, no seio de suas próprias famílias, algo que na
minha modesta opinião é uma das coisas mais abomináveis e repugnantes que o
homem consegue fazer.
Não se trata de santificar
alguém que acaba de nos deixar, mesmo porque esse não é o meu perfil, pois eu
sempre tenho um olhar mais crítico, pragmático, focado no ser humano que é de
carne e osso, com suas limitações, virtudes, medos e porque não dizer defeitos,
e a “Tia Socorro”, essa era sim um ser literal, de carne e osso, é bem verdade que
de mais carne do que osso, pois com a vida que levava, desprovida de
preocupações menos altruístas e seu imenso apego e doação em prol do bem estar
das suas crianças, pouco cuidado dedicava a sua própria saúde. Talvez essa seja
uma das causas da sua prematura partida aos 53 anos de idade, vítima de um
enfarte fulminante.
Minha convivência com essa
mulher admirável, começou a pouco mais de 1 ano, época em que comecei em
conjunto com minha esposa e filhas a frequentar o abrigo da Tia Socorro, com o
objetivo de fazer um trabalho voluntário junto a pessoas necessitadas, de
dividir com alguém um pouco do muito que Deus me deu. Lembro-me bem que a
expectativa inicial era meio preocupante pois antes da primeira visita eu só
vislumbrava um lugar onde haviam pessoas que tiveram uma vida muito difícil,
que foram abandonadas a sua própria sorte, que sofreram inúmeras violências
provindas quase sempre daqueles que via de regra poderiam e tinham o dever de
protegê-los. Enfim pessoas que nada tinham e que ali estavam encontrando um
novo caminho, um novo sentido para suas vidas, muitas vezes ainda no seu
início. Na primeira vez que chegamos no abrigo fomos cercados por pessoas
sedentas por um carinho, atenção, um simples abraço, e só então pude perceber
que se tratava de uma troca muito rica e que no final das contas nós é que
ganhávamos mais com o desenrolar do processo todo. E assim os domingos depois
das visitas ao abrigo eram mais reluzentes, faziam mais sentido, me deixavam
mais leve, apesar do cansaço da viagem e das histórias quase sempre escabrosas que
algum novo ocupante do abrigo trouxe em sua bagagem.
Com a constância das idas ao
abrigo pude perceber a quantidade de pessoas abnegadas que de alguma forma
ajudavam o lugar, afinal a única renda fixa disponível era uma pequena
aposentadoria da Tia Socorro, portanto o resto era advindo de doações, a
maioria esporádica. Isso me deixava realmente agoniado, pois só vinha na minha
mente, como alimentar e manter quase cinquenta pessoas, sem ter uma previsão de
recursos para tal. Mas lembro bem que todas as vezes que a vi falar sobre o
assunto ela dizia que o abrigo não era uma obra dela e sim uma obra de Deus e
que ela tinha fé que ele nunca deixaria de prover o mínimo necessário para a
subsistência de todos. Sua fé era realmente comovente, difícil de entender, mas
fácil de ver.
O dia de ontem foi um dia
muito difícil de ser vivido, pois o primeiro sentimento que surge é de uma
certa revolta, de perguntar porque levar uma pessoa tão jovem, tão cheia de
amor para dar, que tem tantas pessoas que dependem exclusivamente dela. Me
atrevo a tentar responder, literalmente elocubrar, será que ela já estava precisando
de um merecido descanso, e ainda será possível a ela descansar sabendo que
deixou seus filhos aqui sem seus cuidados. Passei o dia com uma desesperança e
uma preocupação com a resposta a essa e a outras questões; O que vai ser do
abrigo? Quem vai tocar o barco? O que vai ser das crianças que lá estão? Como
estarão aqueles seres humanos tão sofridos? Na verdade, foi uma verdadeira
mistura de emoções muito sofridas.
Gostaria de terminar essa
resenha fazendo uma pequena homenagem a esta mulher guerreira que tive a honra
de conhecer, de privar de seu breve mais significativo convívio e que aprendi a
admirar por sua força, garra, determinação e acima de tudo capacidade de amar
ao próximo, enfim o que dizer de uma mãe de mais de 400 filhos espalhados pelo
mundo. Vá em PAZ e que Deus continue te iluminando onde estiveres.
Rodolfo S Cerveira
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