Nesta semana perdi um querido amigo diante dos seus 51 anos
de vida, literalmente na chamada “flor da idade”, para o câncer de intestino e
estômago. Apesar de no meu subconsciente essa possibilidade nunca pôde ser
descartada, pois tratava-se de uma enfermidade muito agressiva, em um lugar
naturalmente de pouca expectativa de cura, e considerando o remédio indicado, a
quimioterapia, que é igualmente invasivo e avassalador, a minha zona de
consciência era povoada por um pensamento de que era preciso ter esperança de que
o quadro pudesse ser revertido. Acredito que só a força do amor a vida que ele
sempre demonstrou e a forte crença no milagre da cura dos seus parentes e
amigos é que teimava em não encarar o quadro que se apresentava tão dramático.
Voltando um pouco no tempo, lembro de como se deu o nosso
encontro. Na verdade, eu trabalhei durante quase quatro anos na mesma
instituição com um irmão de sangue dele, e não fazia ideia desse pretenso parentesco.
Nessa época minhas filhas eram pequenas e eu ia buscá-las no colégio todos os
dias, coisa que ele também fazia diariamente para também buscar as suas duas
herdeiras, e repetidas vezes o vi na frente do referido colégio e não podia
deixar de notar sua enorme semelhança física com o meu amigo de trabalho, e
isso me deixava intrigado. Enfim o tempo foi passando e um belo dia minha
esposa me informou que a minha filha mais nova tinha um aniversário de uma
colega de turma em uma lanchonete. Quando chegamos para buscá-la notei que a
colega era justamente a filha daquele que eu sempre via e achava parecido com o
meu companheiro de “trampo”, que não por acaso estava por lá também, o que
levou-me a pensar que de fato se tratava de dois irmãos de sangue, o que pude
comprovar naquele mesmo dia.
Como colegas de turma nossas filhas foram se aproximando e
não demorou muito para que fossemos formalmente apresentados e a partir daí
florescesse uma amizade muito intensa, para ser bem sincero, acredito que foi
um verdadeiro encontro de almas afins, algo muito raro de acontecer, pelo menos
nos meus 55 anos de existência não consigo reportar ter vivido mais de dois
outros casos semelhantes, porém com toda a certeza em nenhum deles o sentimento
de irmandade alcançou tamanha relevância, tão característica da presente
experiência aqui descrita. A diferença sanguínea, de pensamento e de
personalidades bem distintos, jamais foi um empecilho para o estreitamento da
relação, que desde o início foi pautado pelo respeito e pelo apreço de um pelo
outro. Durante mais de 10 anos essa amizade foi se fortalecendo, contando
sempre com muito companheirismo e uma convivência muito prazerosa, fazendo com
que o laço que nos unia se tornasse ainda mais forte.
Em pouco mais de um ano e meio, aquilo que começou com uma suspeita
de ser um problema de refluxo, que o fez perder mais de 20 quilos e que chegou
ao diagnóstico fatídico de câncer no intestino e estômago. Fez de seus últimos
45 dias de vida, período em que esteve internado em um hospital, um verdadeiro
inferno austral, pois passou boa parte do tempo sedado, sem conseguir se
alimentar, literalmente mantido vivo por suprimentos alimentares e soro, em
função das intensas dores a que era acometido. O que ocasionou ainda mais perda
de peso corporal, levando a sua morte no último dia 27/05/2019.
Se nós seres humanos, conseguíssemos nos desnudar de nosso
extremo egoísmo, conseguiríamos minimamente ser confortados
com a certeza de que seu sofrimento atroz enfim acabou, e não estaríamos tão
abalados e consternados com sua partida tão prematura, afinal não poderemos
mais gozar de sua presença entre nós. Espero sinceramente que um dia “oxalá” consigamos
atingir esse estágio de evolução.
Só me resta desejar ao meu querido amigo e irmão, onde quer
que esteja, muita paz e conforto no seu coração reconhecidamente tão grande,
onde havia lugar para todos os que viessem ao seu encontro. Vá em paz amigo.
Rodolfo S Cerveira