domingo, 24 de dezembro de 2017

A MAGIA DO NATAL DE UM DIABÉTICO


Muito se fala da magia da época do Natal, o clima muda, surge uma nova e melhor atmosfera, as pessoas ficam mais propensas a olhar para si mesmas e para as outras com um olhar um pouco menos observador e crítico. “Que o amor esta no ar”, enfim são inúmeras afirmações e frases de efeito que tentam ilustrar o que realmente acontece neste período tão especial do ano. Acredito que independente da religião e do credo de cada um, é sim uma época mágica, carregada de significados maiores capazes de promover uma pequena pausa do espectro de “insanidade” em que o mundo se transformou no resto do ano. Para os mais céticos talvez seja um exagero a utilização do termo MAGIA, e de certo que não estou aqui para fomentar discussão alguma acerca do assunto.


Peço permissão para fazer um breve parêntese, pois na condição de um filho do Estado do Pará, onde para boa parte dos que ali nasceram e vivem, o verdadeiro Natal acontece por ocasião da realização do Círio de Nazaré, sempre no segundo domingo de outubro, onde as pessoas se transformam e a cidade fica diferente, há realmente uma atmosfera de festa e congregação em torno de uma força espiritual muito grande, que transcende a todas as teorias cientificas conhecidas existentes. A cidade fica cheia de visitantes provindos de todas as partes do Estado, do País e do mundo. “Tudo em Belém tem em suas entranhas a Aura do Círio”, mesmo as coisas que não estão diretamente relacionadas a fé, como por exemplo o calendário do comércio paraense que é extremamente influenciado pelo mesmo, pois desde os meses de julho e agosto as empresas começam a atender a demanda por produtos e serviços “pré e pró” Círio, ou seja, o paraense em especial, tem uma preocupação específica de se vestir melhor para a festa, de arrumar a casa para o Círio de Nazaré e consequentemente ela já fica pronta para receber o Natal, em dezembro. É sabido que existe um lado profano da grande manifestação de fé, mas que em nenhum momento ou sob nenhum aspecto consegue ofuscar a grandiosidade e a significação da festa religiosa. E o dia da procissão do Círio de Nazaré propriamente dito é o verdadeiro domingo de Natal da maioria dos paraenses.


Fazendo uma breve analogia com o famoso e bem-aventurado domingão, aquele dia da reunião da família, da congregação familiar em torno da mesa, dia de realimentar e reforçar os mais profundos laços que temos, pois sem sombra de dúvida, é a família o primeiro e mais importante núcleo da sociedade, ou mesmo da humanidade, então porque não podemos considerar e fazer do domingo um dia ainda mais mágico, “um dia de Natal”, porque não. Afinal ele reúne todas as características que podem torna-lo um dia verdadeiramente especial. Já que o amor, o companheirismo e a solidariedade normalmente estão bastante latentes e dessa forma precisão ser exercitados em sua plenitude.


Com o advento do diabetes, o meu natal perdeu algum glamour, na verdade perdeu alguns sabores especiais, pois minha casa sempre foi regada a muita comida boa e doces maravilhosos, afinal é a casa de uma excelente cozinheira e isso, como diz um personagem televisivo conhecido, “já não me pertence mais”. Devo confessar que ainda assim acabo extrapolando um pouco, por vezes muito, mas no frigir dos ovos esse “pseudo exagero” ainda é bem menor que outrora, e convenhamos que fica difícil resistir às inúmeras guloseimas próprias da época, como por exemplo ao bolo de nada (denominação carinhosamente dirigida ao bolo sem recheio – uma delícia, que fazia parte de quase todos os meus sábados anteriores ao diabetes), vale dizer que neste caso específico em que o mesmo é alusivo a uma data tão significativa ele recebe o recheio de passas, ao pãozinho da Tia Neli (uma maravilha regada a chocolate), as empadas de queijo e de carne, hum!, aos biscoitos de castanha, tudo devidamente produzido in loco. Me reservo ainda o direito de fazer “pouco caso” dos panetones da vida, aos quais não tenho nenhum apreço, mas também se fazem presentes, já que as outras pessoas gostam.


De fato, fico travando uma guerra de foice com a oferta de tanta coisa gostosa. Por outro lado, nem só de comida se faz o Natal, afirmação óbvia e verdadeira, que na prática não é tão simples de comprovar, pois lembrando algumas antigas máximas da humanidade como: “o homem é o que come”; “podemos conhecer um povo pela sua mesa”; “ a história da humanidade pode ser contada pela forma como cada povo se alimentava”, só para exemplificar, verdadeiramente somos muito mais que estomago e cabeça, afinal a vontade de comer começa na cabeça. Brincadeiras à parte, a magia do natal vai muito além de sua encantadora gastronomia, logo é plenamente possível e altamente recomendável que o ser “humaninho” diabético, deleite-se com as suas oferendas sem entretanto, nenhum ou quase nenhum prejuízo a sua saúde, mantendo a sua dignidade e o seu bem viver. Não é fácil, mas é preciso.


Um ótimo natal a todos


Rodolfo S Cerveira

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

A INCAPACIDADE DO SER HUMANO DE SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO


Em um post anterior deste blog, lembro de ter falado sobre a extrema solidão de um doente crônico, pois de fato ninguém consegue se colocar no lugar dele, ninguém consegue dimensionar a sua DOR, a sua desilusão pela sua incapacidade de manter o tratamento sempre em um nível desejável, enfim da dificuldade das demais pessoas de experimentar esse universo tão particular e solitário.


Na semana passada participei de um curso sobre ACESSIBILIDADE, em que no último dia foi feito um exercício de vivência, ou seja, algumas pessoas experimentaram mesmo que por alguns momentos estar em uma cadeira de rodas ou estar com uma venda nos olhos e ter que fazer uso de uma bengala para se locomover, a sensação é indescritível e assustadora, mas também é muito enriquecedora, pois é possível sentir na pele as agruras e dificuldades das pessoas que permanentemente convivem com essas limitações em seu dia a dia, mesmo que por alguns “míseros” minutos, mas ainda assim é inteiramente impossível nos colocarmos verdadeiramente no lugar dessas pessoas.


Por outro lado, seria muito bom para nós mesmos e também para o conjunto da sociedade se nós aprendêssemos a mudar o nosso referencial, ou seja, se procurássemos pensar que a situação das mencionadas pessoas requer providências especiais realmente, senão vejamos, quem é que não ficou chateado e mesmo tentado a usar uma vaga de estacionamento exclusiva para cadeirante e ou idoso, depois de ficar vários minutos procurando uma vaga mais próxima ao destino desejado. Quem em um momento de extrema “aporrinhação” já não chegou a pensar que talvez esse privilégio seja exagerado. Mesmo porque esses direitos adquiridos por essas pessoas são muito justos, entretanto eles não excluem o direito dos demais. Logo se mesmo hipoteticamente “conseguíssemos estar” no lugar dessas pessoas, nos seria possível perceber mais facilmente que a vaga deles deve ser a mais próxima, SIM, porque é extremamente necessário que assim o seja, afinal só dessa forma eles demandarão um menor esforço físico para chegar ao seu destino, sem falar das dificuldades que não só eles, mas todos nós temos que superar face a extrema incapacidade do poder público e também da sociedade de pensar seus espaços para serem mais acessíveis a todos, não só para os deficientes físicos, visuais e intelectuais e demais pessoas portadoras de qualquer perda de mobilidade. Afinal as cidades brasileiras são pródigas em apresentar problemas de toda ordem à livre locomoção das pessoas, tais como, calçadas sem piso tátil, pistas de rolamento e calçadas mal traçadas, esburacadas e sem manutenção, escolha de pisos inadequados, falta de sinalização e adequação de ruas e meio fio, só para citar alguns exemplos desse completo despreparo, apesar das inúmeras leis que já foram criadas para tentar minorar esse problema, muito pouco avanço de fato pode ser constatado nessa área.


Eu acredito que a nossa principal carência não é de leis e sim de educação, de cultura, de solidariedade, de realmente colocar em prática o chamado “amor ao próximo”, esteja este próximo ou não. E nesse caso seria muito benéfico para cada um de nós e principalmente para a sociedade, se fizéssemos um exercício de tentar olhar o mundo e as coisas sob a ótica do deficiente físico, de forma a entender as suas dificuldades mais precípuas, digo melhor, quando você se deparar com um problema de locomoção ou mesmo de qualquer outra natureza, procure não olhar para o fato somente com a ótica das pessoas “ditas normais”, (desculpem o uso do termo, mas foi proposital, pois quem foi que disse que o deficiente físico não e normal? Ele apenas tem uma deficiência específica, que apesar de limitar algum sentido ou movimento, não o torna incapaz. E é isso que precisa realmente ser mudado). Assim sendo procure analisar a situação com uma visão macro, objetivando alcançar o verdadeiro grupo de pessoas que irá fazer uso do mencionado equipamento, isto é, aquele em que todos nós, sem distinção, somos parte integrante.


Fazendo uma breve analogia entre a situação do deficiente físico com a do doente crônico, no caso deste blog em que o foco é o diabético, pois ambas as categorias merecem e carecem de uma melhor atenção da sociedade e do Estado, no sentido de pensar e de prover os espaços e equipamentos públicos e privados de mecanismos e soluções capazes de minorar o sofrimento dessas pessoas, e assim otimizar não só as suas vidas, mas também a de todos os integrantes da sociedade, tornando-a verdadeiramente mais igualitária. Dessa forma é fundamental que os mencionados entes passem a desenvolver políticas e ações direcionadas a melhoria do espectro de vida desse grupo de pessoas cada vez mais numeroso e significativo.



Rodolfo S Cerveira

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O QUE É ACESSIBILIDADE?


De tempos em tempos a humanidade cria, ou muitas vezes simplesmente eleva um tema a categoria de “mega, ultra” importante, vale dizer que nem sempre os motivos que provocam o “despertar” ou mesmo que determinam o “time” desse processo são os mais éticos e dignos. Mas o fato é que desde que “o mundo é mundo” isso acontece e acho muito improvável que venha a se modificar drasticamente algum dia. Dessa forma o eleito do momento é a tão propalada e inegavelmente imprescindível INCLUSÃO SOCIAL, deixemos então as razões menos ou mais dignas de lado e vamos ao que realmente interessa.


A informação é sem sombra de dúvidas, a mais valiosa “mercadoria” da atualidade, e portanto deve ser democratizada, franqueada a todos, pois essa é a primeira e a principal forma de promover a Inclusão social. Todavia não há como pensar nela se não falarmos também de acessibilidade, isso é fato, e para começarmos com toda a dignidade que o tema exige e merece, precisamos promover a quebra de um paradigma. De uma maneira geral quando se fala em acessibilidade logo se relaciona a meios e mecanismos para melhorar a vida do deficiente físico, visual e ou intelectual. Neste momento é necessário inserir um novo termo que se refere a uma outra categoria de pessoas, que também faz parte desse enorme contingente de cidadãos que tanto precisam ser inseridos no conjunto da sociedade, que são as pessoas com mobilidade reduzida temporária ou permanente. Logo é primordial promover uma mudança radical nessa maneira de ver as coisas, pois o mundo, as cidades, o campo, os logradouros públicos, a empresa privada, o órgão público, a casa de cada um de nós, enfim todos os espaços devem ser em princípio acessíveis a todos e não e tão somente para os deficientes físicos em geral. Dessa forma é fundamental revermos os nossos conceitos e aprendermos a olhar todos com o mesmo olhar, sob a mesma ótica, enxergando o todo e a todos, é claro que sem deixar de respeitar as mais diversas especificidades que cada grupo traz em sua essência.


A importância de universalizar a acessibilidade, de deixá-la ao alcance de todos reside também no fato de que em algum momento de nossas vidas, seja porque motivo for, poderemos ser potenciais usuários dos mecanismos criados para tornar o nosso meio ambiente e o nosso habitat mais acessível. Mesmo que não sejamos portadores de nenhuma deficiência física de qualquer ordem, pois há diversas situações na vida que isso pode se materializar e acabar nos causando algum tipo de sofrimento ou privação. Isso pode ser facilmente visto quando vemos por exemplo uma fileira de telefones públicos (coisa considerada jurássica, diante do surgimento do celular) com alturas diversas, quando temos banheiros coletivos com alturas igualmente diferentes e providos com os mais diversos equipamentos como barras de apoio, maçanetas em forma de alavanca, área de transferência e etc..., possibilitando dessa forma atender não só ao anão e ao cadeirante, mas também a criança e a pessoa com baixa estatura; a instalação de balcões e mesas nos lugares de uso comum em alturas que possam atender a todos indiscriminadamente; devemos considerar também um fenômeno incontestável que é o envelhecimento da população mundial, ou seja, a acessibilidade do idoso cada vez mais terá uma demanda crescente, e então será necessária a criação e ou adaptação de espaços públicos e privados de pequena, média e grande circulação de pessoas com o mínimo de espaços e equipamentos de sinalização visual, tátil e sonora disponíveis para sua perfeita utilização, ou seja, não se pode pensar em um espaço ou mundo acessível para determinadas pessoas e sim para o grupo em que fazem parte todas elas.


Neste blog ou em qualquer outro espaço, eu não poderia deixar de frisar a importância da acessibilidade quando nos referimos aos tratamentos e remédios para os doentes crônicos, entre os quais eu me incluo, como diabético. É fato que já há algum tempo essa preocupação faz parte das políticas públicas do Estado Brasileiro, entretanto isso ainda é feito de forma muito incipiente, necessitando então de muito aprimoramento no seu conceito e na sua forma para enfim poder receber a aura ou denominação de universal. Será mesmo um sonho?


Para finalizar essa resenha acredito ser importante incluir no rol das pessoas que precisam usufruir plenamente da acessibilidade os portadores da mais nova face das doenças crônicas, as chamadas doenças psicológicas, as diversas síndromes que cada vez mais afetam um número surpreendentemente maior de pessoas. Dessa forma seria bastante salutar incluir no bojo do planejamento e dos projetos sobre o assunto, um olhar mais atento, que possa criar soluções que atendam também as contingências desse enorme conjunto de usuários. Esta mais do que na hora de ir à luta, senhores! Vamos lá!



Rodolfo S Cerveira